domingo, abril 29, 2007

Ainda os afectos...


«As árvores crescem sós. E a sós florescem.


Começam por ser nada. Pouco a pouco

se levantam do chão, se alteiam palmo a palmo.


Crescendo deitam ramos, e os ramos outros ramos,

e deles nascem folhas, e as folhas multiplicam-se.


Depois, por entre as folhas, vão-se esboçando as flores,

e então crescem as flores, e as flores produzem frutos,

e os frutos darão sementes,

e as sementes preparam novas árvores.


E tudo sempre a sós, a sós consigo mesmas.

Sem verem, sem ouvirem, sem falarem.

Sós.

De dia e de noite.

Sempre sós.


Os animais são outra coisa...»

António Gedeão




Continuando a falar de afectos, as pessoas ligam-se pelo que têm em comum, não tanto a idade nem a posição social ou sequer os laços familiares. Uma questão de afinidades num tempo dado. Acima de tudo, a empatia nasce da sinceridade na expressão do sentir, não só na relação com o outro, mas também na apreciação do mundo envolvente. O gozo partilhado em pequenos nadas do quotidiano, um ou outro som, odor, clarão, abraço, o que incendeia o olhar no mesmo instante, o que traz emoção na água que emerge dos olhos.

Afinal, se cada um de nós quisesse, soubesse, pudesse expressar sem rodeios, hic et nunc os seus sentimentos, tudo seria mais fácil, mais natural. Claro que é utopia, o mundo é feito de artifícios, o Homem condicionado por questões sem tamanho, nem senso a maioria das vezes. A utopia mantém-se quando nos queremos iguais na educação, nos direitos, nos deveres.

O ser humano é um animal deveras complexo. Pensante por natureza, não se conforma com o que sabe, menos ainda com o que lhe ensinam. Os anos trazem não só experiência, mas experiências diversas que fazem queimar etapas quando se unem. E a sabedoria que se procura numa ocasião da vida, num tempo do devir, acontece antes ou depois, nuns e noutros tempos diferentes, e já não é nada quando se atinge, há que ir mais longe e evoluir na sua vida longa, cada vez mais longa.

O que nos concede tranquilidade é não saltar um caminho para chegar mais depressa.

Há um tempo para tudo, o tal «tempo para amar e tempo para morrer».

sexta-feira, abril 20, 2007

Creio nos afectos



…Creio nos deuses de um astral mais puro

Na flor humilde que se encosta ao muro,

Creio na carne que enfeitiça o além,

Creio no incrível, nas coisas assombrosas,

Na ocupação do mundo pelas rosas,

Creio que o Amor tem asas de ouro. Amen.

Natália Correia




Ouço os pingos que correm dos telhados do alpendre e descem sobre as pedrinhas do jardim e os carros que passam na estrada espargindo água no asfalto lavado.

Através da janela, a chuva mansa e espessa estremece em cortina leve quando olho os choupos felizes ladeando a ribeira. Todos os verdes rebrilham e as rosinhas de toucar, que floriram em Março, espreitam ainda num amarelo doce por entre a folhagem miúda, o chão pejado de pétalas secas que a chuva limpou da roseira-mãe. Engrossam os botões que ainda não abriram, erguem-se rijas as folhas de agapanto.

O jardim surge de repente farto, antes só terra e troncos na relva triste, agora povoado de verdes e as rosas lilás já perfumando o ar.



As outras preparam ainda a explosão da cor. Do jardim agreste de Inverno nasce esta promessa em verde que vai desfazer-se em polícromo. Por breve tempo, que as rosas resplandecem e logo murcham.

Como os afectos cada vez mais precários se consomem num piscar de olhos, numa estação. Não se plantam, não se mondam, não se regam, logo esmorecem.

A era da comunicação faz tudo correr mais célere, em desapego dos lugares que fazem os nossos afectos. Os lugares, as coisas, os cheiros acendem em nós aquele mundo que buscamos nas recordações da infância, da Terra do Nunca de cada um de nós, que mais e mais embelezamos com aqueles que nos marcaram e já partiram.

Esses afectos pertencem-nos: o cheiro a doce de morango que se evola da cozinha-velha, o crepitar do capim na queimada de fim de tarde ao lado da casa, a areia da Samba nos dedos dos pés, o embalar do dongo, o som das ondas nos espigões da Ilha, a água morna a deslizar no corpo.

Os outros chegam com o tempo. Uns passam com ele, outros permanecem. Para sempre.

Nem vale a pena cortar as rosas, que elas só são viçosas no jardim. Não gostam de viver em jarra, logo abrem e desfolham.

Mas há as camélias.

Há as hortenses que envelhecem e ficam.

Há as sempre-vivas.

sábado, abril 14, 2007

Ainda a Educação


«…Não foi para morrer que nós nascemos,

não foi só para a morte que dos tempos

chega até nós esse murmúrio cavo,

inconsolado, uivante, estertorado,

desde que anfíbios viemos a uma praia

e quadrumanos nos erguemos. Não.

Não foi para morrermos que falámos,

que descobrimos a ternura e o fogo,

e a pintura, a escrita, a doce música.

Não foi para morrer que nós sonhámos

ser imortal, ter alma, reviver,

ou que sonhámos deuses que por nós

fossem mais imortais que sonharíamos.»

Jorge de Sena



Não vou encetar um caminho novo de esperança, ela está aí evidente em cada crepitar de relva, em cada gorjeio ou alvoroçar de asas por cada renascer de Primavera. Também nos botões de rosa que timidamente vão desabrochando aqui e além.

A esperança é afinal para todos, mesmo para os pulgões e outros seres minúsculos que lutam pela sobrevivência, tirando o viço e a cor ao fausto da roseira imodesta. É a vontade legítima de crescer e de vencer a refrega constante para um lugar ao sol.

O ser humano conseguiu elevar-se pela força da inteligência e dominou o mundo natural. Usando ainda essa força, compreendeu a natureza, o seu ritmo, a inevitabilidade de nos olharmos como iguais no percurso da existência comum. À luz do intelecto construímos regras de harmonia e de tolerância, religiões e leis, organizadas para maior equilíbrio e melhor qualidade de vida.

A alfabetização possibilitou a difusão em massa do conhecimento e essa evolução contínua aduz superioridade na nossa relação com o que nos rodeia. Sobra a análise do relacionamento entre os humanos que deveria pautar-se pelo respeito, pela seriedade, pelo civismo. A liberdade é uma utopia, pois diariamente nos confrontamos com a necessidade de olhá-la nos outros e refrear aquilo que por vezes desejaríamos fazer constar da nossa. O auto controle é a característica que nos distancia dos outros seres, e a educação, dele um sinónimo.

E eu espanto-me com a irreverência desmedida de quem se julga superior porque tem um verdadeiro(?) dr.(?) antes do nome, mostrando desconhecer as leis mais básicas dessa educação, erguendo os olhos diante das câmaras para acusar um seu par de não ter o sangue azul, apenas solicitado pela sua reduzida capacidade de retenção de informação actualizada. As competências requeridas para o exercício do mister que é adstrito ao visado, não passam segura e forçosamente pelo direito de qualquer título antes do nome, mas principalmente pelo modo como aplica os conhecimentos adquiridos por onde quer que os tivesse apreendido.

Queria acrescentar que não estou filiada em qualquer partido político e não faço aqui juízos de valor de qualquer espécie, no que toca a medidas adoptadas de cariz político, reservando-me o direito de concordar ou discordar delas. O que me levou a escrever estas linhas foi tão só o despudor, a vacuidade das acusações, por quem fala em representação de um grupo.

A educação e o respeito ficam bem em todas as esferas; atirar pedras, não vale.

terça-feira, abril 10, 2007

Alma Perdida


Toda esta noite o rouxinol chorou

Gemeu, rezou, gritou perdidamente!

Alma de rouxinol, alma de gente,

Tu és, talvez, alguém que se finou!

Tu és, talvez, um sonho que passou,

Que se fundiu na Dor, suavemente…

Talvez sejas a alma, a alma doente

Dalguém que quis amar e nunca amou!

Toda a noite choraste… e eu chorei

Talvez porque, ao ouvir-te, adivinhei

Que ninguém é mais triste do que nós!

Contaste tanta coisa à noite calma,

Que eu pensei que tu eras minha alma

Que chorasse perdida em tua voz!...

Florbela Espanca


quinta-feira, abril 05, 2007

A Ilha dos Amores


«...É que os lugares acabam, ou ainda antes

de serem destruídos, as pessoas somem,

e não mais voltam onde parecia

que elas ou outras voltariam sempre

por toda a eternidade. Mas não voltam,

desviadas por razões ou por razão nenhuma.»

Jorge de Sena



Na vida de cada um de nós existe sempre um cesto mágico. Lá dentro o tesouro dos pensamentos, das recordações que surgem do nada que já foi tudo.

O meu tem rosto. Está ali, quieto, pousado sobre a rocha em que se sentam os que me geraram. Sinto na palma das mãos as ondas do entrançado certo, rolo ainda hoje nos dedos o pauzinho claro, longo e direito que segura as argolas para fechá-lo na frente e ouço o chiado breve da tampa a abrir. Está ali, na Ilha dos Amores, nesta foto sexagenária que sobrou do vendaval passado.

Este um lugar paradisíaco que havia na região do Quipeio. Logo à entrada e ao longo dos diversos sítios aprazíveis, estavam pregadas tabuletas com excertos de versos, não consigo lembrar qualquer deles. Um rio de forte volume de água despenhava-se por entre rochas, julgo ser o rio Cuíto. Tinha braços que corriam devagarinho em pequenas valas, onde molhávamos os pés sem perigo e por cima dos quais havia pontes toscas de madeira. As duas margens eram ladeadas por denso arvoredo, árvores altas e outras mais baixas e muito copadas, com troncos baixos, torcidos, grossos, por onde se podia trepar, esconder, fingir até de Tarzan. Com rochedos à mistura, água borbulhante e límpida, de maior ou menor volume, dependendo da época do ano – seria o cacimbo a altura mais propícia aos passeios – cada dia ali passado escorria intenso e prazeiroso, tudo fazia sentido, o rumorejar das águas, o crescer dos fetos, o trinar dos pássaros, as poupas brancas de penacho na cabeça, as anduas verdes de gravata vermelha a saltar por entre as árvores.

Quando se cruzou o céu nas tempestades cavalgando os arco-íris pelo cinzento quieto, quando se desce suavemente pelo redondo do violeta, quando amainam as cores e se pousa os pés no redondo da Terra, há por aí um cesto mágico. Com um tesouro, diz a lenda.


terça-feira, abril 03, 2007

Num outro planeta




O meu Principezinho cresceu



E vive longe no seu planeta



Ele tem uma flor



Lord Binx



Um brincalhão



Que é preciso regar



E mimar...