A luz que te ilumina
Terra da cor dos olhos de quem olha!
A paz que se adivinha
Na tua solidão
Que nenhuma mesquinha
Condição
Pode compreender e povoar!
O mistério da tua imensidão
Onde o tempo caminha
Sem chegar!...
Miguel Torga
Não seria sincera se dissesse que António Lobo Antunes é o meu escritor preferido, mas não estou longe da verdade se disser que o considero, indiscutivelmente, um dos maiores escritores vivos de Língua Portuguesa. Tive ontem oportunidade de estar presente no auditório do CCC de Caldas da Rainha, onde Lobo Antunes se deslocou, pela mão de Isabel Castanheira, da Livraria 107.
É delicado e simples na apresentação pausada que faz do seu último título: «há muito tempo que queria fazer um livro com estrutura de corrida de toiros» … «depois, foram aparecendo vozes inesperadas… estava a transcrever o que às vezes me diziam. O livro estava por baixo daquele magma de palavras… e o livro foi surgindo.»…
Ouvi-lo ali, como se em afável conversa familiar, deixa-nos uma sensação de ternura que persiste. Ficaram gravadas algumas frases bonitas, por entre o tom sério, as graças, as ironias, as histórias familiares, o convívio com amigos. «Eu trabalho com aquilo que é anterior às palavras, as emoções, compulsões.» «Há uma alma em cada coisa e um livro é feito de coisas. Um escritor é um trapeiro, fica com o lixo que as outras pessoas não querem.» «Eu queria só chegar ao coração das pessoas.»
A apresentação irregular da sua escrita formal, que de início me incomodava, é uma forma de poesia em prosa, e o que escreve não é um romance, ele próprio o afirma. É assim para ser digerido devagar, sem pressas, já que «os livros bons não dormem, têm insónias».
Chegada a vez de apresentar-lhe um volume para autografar, declinei o meu nome, que não compreendeu à primeira. Quando o seu editor, ao lado, lho repetiu perto do ouvido, levantou para mim os seus olhos azuis de menino e evocou de imediato um livro que acompanhou a minha infância – e pelos vistos a sua – onde «eu» viajava num também cavalo… do Tempo: «As Aventuras de D. Redonda e a sua Gente» (já em tempos recordei aqui esse título, a propósito das minhas primeiros leituras de criança).
Foi um momento de encanto, aquela troca de palavras, aquele minuto de conversa. Logo se desvaneceu.
«As solidões entre as pessoas são como os planetas, caminham em órbitas sozinhas».