terça-feira, março 30, 2010

Encontro



Pastor do monte, tão longe de mim com as tuas ovelhas
Que felicidade é essa que pareces ter — a tua ou a minha?
A paz que sinto quando te vejo, pertence-me, ou pertence-te?
Não, nem a ti nem a mim, pastor.
Pertence só à felicidade e à paz.
Nem tu a tens, porque não sabes que a tens.
Nem eu a tenho, porque sei que a tenho.
Ela é ela só, e cai sobre nós como o sol,
Que te bate nas costas e te aquece, e tu pensas
noutra cousa indiferentemente,
E me bate na cara e me ofusca. E eu só penso no sol.
Alberto Caeiro



Felicidade é apenas uma palavra. Questionarmo-nos sobre ela não é mais do que procurarmos na nossa vida aqueles pontos que servem de referência a acontecimentos breves que nos fizeram sentir bem e por tal nos deixaram a marca.

Como significante, é uma palavra ilusória, longa, pausada, de muitas sílabas, que demora tempo a dizer. Só é fiel ao seu significado nas duas sílabas finais porque, na pronúncia do português de Portugal a última sílaba quase desaparece, já mal se sente. Já no Brasil a felicidade parece mais venturosa, mais duradoura, a palavra é dita saboreando cada sílaba, alongando até a última - fe-li-ci-da-dji – como quem se recusa a deixá-la terminar. 

A felicidade é um bem fugaz, leve e efémero como uma borboleta. Quando se busca, quando se dá por ela, espanta-se e foge, ninguém lhe pode tocar. Mas ela pousa, suave e quieta, quando deixa os seus ovos no verso de uma folha de planta, num cálice, na pétala de uma corola qualquer. E vai permanecer para sempre, de cada ovo minúsculo vai um dia surgir outra borboleta e mais outra e outra ainda.

E é preciso estar atento, sentir, pressentir o bater de asas em cada voo iniciado.

sábado, março 20, 2010

Dia de Aniversáro

 


A máquina do tempo inventada pelos homens marca cinco horas passadas sobre o dia que assinala o equinócio da Primavera. Lá fora os pássaros acordam o dia novo e agora a chuva volta a cair para refrescar uma terra sempre sequiosa.

Não tenho por hábito assinalar a data, nem muitas vezes datas, mas há precisamente quatro anos, abri esta janela para o desconhecido e ensaiei o primeiro voo, ciente dos territórios que pretendia explorar, porém aberta a outros ventos e sóis, experiências de sensações novas que acrescentaram sabor aos meus dias.

Escrevi sobretudo a minha infância perdida, escondida, afundada na arca de um esquecimento forçado, propositado. Relembrei leituras, desvendei outras, encontrei e reencontrei amigos, conheci familiares de familiares, dispersos pelo êxodo a que nos forçou a guerra do Ultramar. Foi uma experiência única, indizível no que toca ao meu enriquecimento interior, a tudo o que recebi de saberes e afectos, sinto-me por isso imensamente grata.

Tencionava hoje dar por terminado este espaço mas não tenho coragem. Não assim, antes de ter encontrado uma lagoa nova para a Jawaa. Para construir a casa nova é preciso formação, aliás como para tudo nos tempos que correm, e para isso tem-me faltado o tempo e a disposição. Trocar a carpete e o lugar das mobílias, renovar cortinados, é o que sei fazer, mas não chega. As cores da pintura esmoreceram, crescem rachas nas paredes e ervas nos telhados que não consigo retirar. Pensei mesmo mudar de casa, sair do blogger, tentar o sapo, sempre é um bicho e eu gosto de bicheza, dos que me vão lendo, já todos sabem.

Quando, e se isso acontecer, deixarei aqui um link com o novo endereço, mas por enquanto tudo não passa de boas intenções. Com a Primavera a chegar, os dias maiores e mais quentes, vão decerto crescer mais as flores na minha janela antiga.
 

segunda-feira, março 08, 2010

Encontros



Quero acabar entre rosas, porque as amei na infância.
Os crisântemos de depois, desfolhei-os a frio.
Falem pouco, devagar,
Que eu não oiça, sobretudo com o pensamento.
O que quis? Tenho as mãos vazias,
Crispadas febrilmente sobre a colcha longínqua.
O que pensei? Tenho a boca seca, abstracta.
O que vivi? Era tão bom dormir!

Álvaro de Campos
 


Entre espaços, ocorrem-me fulgurações da minha terra perdida. 

Os documentários autênticos, de realidades atrozes perpetradas em actos de selvajaria por mentes insensatas, são por demais doentios para as acompanhar, basta-me saber que existem.

Da África representada no cinema, só a música e a paisagem são para mim verdadeiras e tocam o meu espaço interior. Tudo o que normalmente se acrescenta é pura ficção, o que não deixa de ser atractivo. Quando era pequena, e não conhecia outros lugares fora daquele continente, perdurei deslumbrada com as aventuras de Tarzan e sua Chita, com as Minas de Salomão, era uma mistura de encantamento e orgulho por eu própria pertencer ali, àquela fantasia afinal tão perto.

A distância, o tempo de ausência, a irreversibilidade dos caminhos percorridos, impõem uma realidade dolorida que acontece a cada esquina. São os mortos levados pelas enxurradas, as casas desmanchando-se pelas colinas, os braços estendidos em pedidos de socorro e despedidas que sabem ser para sempre.

O tempo corre devagar quando se trata de reconstruir.
 

segunda-feira, março 01, 2010

O poder da terra


Navegue, descubra tesouros, mas não os tire do fundo do mar,
o lugar deles é lá.
Admire a lua, sonhe com ela, mas não queira trazê-la para a terra.
Curta o sol, se deixe acariciar por ele, mas lembre-se que o seu calor é
para todos.
Sonhe com as estrelas, apenas sonhe, elas só podem brilhar no céu.
Não tente deter o vento, ele precisa correr por toda parte, ele tem pressa
de chegar sabe-se lá onde.[…]
Álvaro de Campos



A terra tremeu aterradoramente no continente sul-americano e o mar ergueu-se, alongou-se por todo o Oceano Pacífico e foi levar o pânico às costas da Ásia. É assustador.

Glaciares colidem e desprendem-se do continente antárctico, com mais de dois milhares de quilómetros de superfície, quem sabe dando início a correntes de arrefecimento marítimo capazes de originar alterações climáticas relevantes e transfigurar a vida de populações inteiras de animais e seres humanos. É preocupante.

A evolução da Ciência que permite ao Homem identificar estes fenómenos e prever consequências que daí advenham, minimizando adversidades, é tranquilizador e reconfortante na sua justa medida. O conhecimento, a comunicação, a informação, são as armas que nos dão poder e orgulho, mas são as mesmas que devem reduzir-nos à humildade, ao reconhecimento de que somos uma ínfima parte do pequeno universo em que nos movemos e que ainda há forças poderosíssimas que não conseguimos prever e, muito menos, dominar.

A inteligência humana tem muito a percorrer no caminho de alguma modéstia perante a natureza de que somos parte intrínseca, e toda uma reeducação deve ser concretizada para evitar agressões a este planeta, usando, de preferência, a interacção em que investem os restantes seres vivos.

Teríamos muito a ganhar, e as novas gerações, em particular, agradecem.